Neurociência e Terapia do Esquema: Desvendando os Processos da Mente

Para entendermos a relação entre Neurociência e Terapia do Esquema, vamos mergulhar na teoria de Joseph LeDoux, que é fundamental para compreender as memórias traumáticas e a formação dos esquemas. Esses conhecimentos serão aplicados de forma prática e instrumental para abordar questões relevantes na clínica de Psicologia. Nosso objetivo é compreender o sujeito em sua dinâmica comportamental, psicológica e emocional, ajudando-o a superar suas dificuldades subjetivas.

Joseph LeDoux e Jeffrey Young são dois renomados pesquisadores contemporâneos que atingiram o ápice de suas produções científicas na década de 1990. Enquanto Young é considerado o fundador da teoria dos esquemas, direcionada ao tratamento de pacientes com transtornos de personalidade refratários às terapias tradicionais, LeDoux dedicou-se às pesquisas sobre memórias traumáticas. Atualmente, Young é um dos grandes nomes da psicoterapia mundial, professor do Departamento de Psiquiatria da Columbia University e fundador dos centros de Terapia do Esquema. LeDoux é professor de Psiquiatria e Psicologia Infantil na Universidade de Nova York, diretor de departamento de neurociência e autor de diversos livros, sendo amplamente respeitado no meio acadêmico.

A partir da compreensão do pensamento de LeDoux, abordaremos a neurociência, que é o conjunto de disciplinas que estudam o sistema nervoso com o objetivo de compreender o cérebro e a mente, considerando aspectos como neuroanatomia, neurobiologia e neurofisiologia. Buscamos decifrar como o cérebro processa as emoções e controla o comportamento. LeDoux levanta questões instigantes que nos permitem explorar esse tema, como o funcionamento da estrutura cerebral básica, a semelhança entre os seres humanos e outros animais vertebrados, o processamento inconsciente das emoções e a relação entre consciência e inconsciência.

Um dos principais pontos abordados por LeDoux é a diferença entre sentimento e emoção, assim como o processamento dessas emoções no cérebro. Ele também questiona se a maioria das doenças mentais são, de fato, emocionais, e como os estados de consciência se instalam a partir de um processamento inconsciente. Além disso, explora a ocorrência de traumas e seu impacto no funcionamento cerebral.

Essas questões levantadas pelo neurocientista despertaram grande interesse em Young, pois foram a base para a construção da formação biológica dos esquemas. Segundo Young, quando um indivíduo encontra estímulos que remetem a eventos traumáticos da infância, desencadeando a ativação inconsciente das emoções e sensações corporais associadas a esses eventos, isso ocorre por meio do sistema amigdalino. É nesse contexto que exploraremos esses temas ao longo de nossa jornada.

O objetivo principal é traduzir esse conhecimento de forma simples, pois acreditamos que o saber deve ser transmitido de maneira acessível. Agora, precisamos esclarecer algumas questões elementares que têm obscurecido nossa visão.

Desmistificando Alguns Mitos:

Existem narrativas sobre o funcionamento cerebral que são repetidas com frequência e acabam ganhando status de verdade, prejudicando nossa prática clínica. Desfazer esses equívocos é essencial para facilitar nossa compreensão dos esquemas e do tratamento de traumas e disfunções emocionais, proporcionando esperança para ajudar o sujeito a se tornar mais eficaz e menos afetado emocionalmente.

1) Não há criação de novos neurônios.

Durante muito tempo, acreditava-se que não era possível criar novos neurônios. No entanto, neurocientistas afirmam que a neurogênese, ou seja, a geração de novos neurônios, é possível, principalmente no hipocampo. É importante compreender que, quanto mais atividade realizamos, menos envelhecemos. A imagem de pessoas idosas com dificuldades físicas e mentais é ultrapassada, pois já compreendemos que o envelhecimento não é uma sentença para o comprometimento. Portanto, é fundamental estimular ações e novos projetos para nossos pacientes, pois

a atividade física auxilia o hipocampo a controlar melhor a resposta ao estresse, aumentando o número de neurônios nessa região. Pesquisas realizadas na Universidade de Madri demonstraram que a produção de novas células pode ocorrer até pelo menos os 90 anos. Devemos evitar desanimar os pacientes mais velhos, pois enquanto houver atividade, novos neurônios podem ser produzidos.

2) “Usamos apenas 5 a 10% da capacidade cerebral”.

Essa afirmação, frequentemente repetida por coaches, psicólogos e leigos, é um mito. Na verdade, utilizamos milhões e milhões de neurônios o tempo todo. Trabalhamos com 100% do nosso cérebro para realizar todas as atividades, mesmo durante o sono. Estudos de ressonância magnética funcional demonstraram que várias partes do cérebro são ativadas em tarefas simples, como mover os dedos. No entanto, é provável que não utilizemos todo o nosso potencial neuronal. Muitas vezes, nossas emoções nos sobrecarregam e impedem que realizemos atividades que promovam a potencialização de nossos neurônios, levando-nos a um estado de estagnação ou caos que prejudicam nosso desenvolvimento. O processo terapêutico baseado em esquemas e psicologia positiva tem como um dos principais objetivos permitir que o sujeito reconheça e nomeie suas emoções para usá-las de maneira favorável. É por meio desse reconhecimento e uso consciente das emoções que podemos nos tornar indivíduos mais saudáveis emocionalmente.

3) “Vemos com os olhos, ouvimos com os ouvidos e sentimos com a pele”.

Esse é outro mito. Embora captemos estímulos por meio dos olhos, ouvidos e pele, o verdadeiro processamento dessas informações ocorre no cérebro. Lesões cerebrais podem causar cegueira, surdez ou problemas nos movimentos ou na sensibilidade, mesmo que os olhos, ouvidos e pele estejam intactos. É correto afirmar que não vemos com os olhos, não ouvimos com os ouvidos e não sentimos com a pele. Esses órgãos são apenas veículos de captação do ambiente externo. Portanto, a interpretação e o significado dessas informações ocorrem no cérebro. Por exemplo, ao observarmos uma paisagem, nossa avaliação de sua beleza está relacionada ao significado que atribuímos a ela com base em nossas referências históricas e subjetivas. Essa compreensão é crucial, pois quando afirmamos que a realidade não existe, nos referimos a esse processo, no qual tudo depende do processamento que o cérebro realiza. Além disso, podemos dizer que as emoções não estão no coração, pois todo esse processamento ocorre no cérebro. O coração acelera porque o cérebro comanda essa resposta por meio da ativação do eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal. Dependendo da nossa significação emocional e de nossas memórias ancestrais, nosso coração pode acelerar para nos preparar para correr, lutar ou ficar alerta. Essa compreensão é extremamente importante para entendermos a ideia de gatilho ou evento deflagrador na terapia do esquema.

4) “Existem áreas isoladas, como a cognitiva e a emocional”.

Essa afirmação também é um equívoco. Não existem partes isoladas no cérebro. Para que uma emoção ocorra, é necessária uma interpretação cognitiva. A teoria do cérebro trino proposta por Paul Maclean na década de 1970 popularizou a ideia de que existem áreas cerebrais isoladas, como o cérebro reptiliano, emocional e cognitivo. LeDoux concorda em parte com essa teoria, afirmando que emoção e cognição são funções mentais interativas, mas distintas, mediadas por sistemas cerebrais interativos, mas distintos. Essa concepção faz uma grande diferença ao abordarmos o trauma, pois os registros de eventos importantes de nossa infância e de toda nossa trajetória de vida são armazenados em diferentes áreas do cérebro. Podemos ser “lembrados” emocionalmente de eventos passados sem que a cognição faça a ligação entre eles. Frequentemente, somos agidos emocionalmente por eventos que ativam memórias antigas, e nem sempre estamos conscientes da relação entre a memória cognitiva e a emocional. Por exemplo, ao nos despedirmos de alguém, podemos sentir um desespero desproporcional à situação atual devido a cenas de abandono na infância que deixaram marcas profundas em nossa amígdala cerebral. O processo terapêutico tem como função facilitar a conexão entre eventos atuais e passados, dando sentido às emoções que nos afetam.

5) “O cérebro reage de acordo com o que percebe”.

Essa afirmação é incorreta. O cérebro não reage, mas age com base em impressões prévias. Ele prevê e executa padrões internos aprendidos, inclusive filogeneticamente, percebendo sinais sensoriais aos quais foi exposto ao longo da vida ou da filogenia. Por exemplo, animais que nunca tiveram contato com o cheiro de seus predadores podem sentir medo quando são expostos a esse odor específico, devido a uma marcação genética presente no sistema límbico. Seres humanos também carregam marcações genéticas que nos predispõem a certos medos herdados de nossa ancestralidade. Pesquisas comprovaram que filhos de mães traumatizadas têm maior probabilidade de se sentirem estressados, pois nossa herança genética é influenciada por eventos cruciais do desenvolvimento fetal. Conforme Moalem (2016) afirmou: “Somos a culminação genética de nossas experiências de vida, assim como de cada evento que nossos pais e ancestrais vivenciaram e sobreviveram – desde os mais alegres até os mais angustiantes”. LeDoux argumenta que o sentido emocional de um estímulo pode ser avaliado pelo cérebro antes que os sistemas de percepção tenham processado completamente o estímulo. O cérebro é capaz de avaliar se algo é bom ou ruim antes mesmo de entender exatamente o que é. É por isso que, diante de um evento que ativa nossos esquemas, podemos

ser agidos emocionalmente sem saber exatamente o que desencadeou essa reação. As memórias emocionais deixam marcas contundentes, indeléveis e, muitas vezes, nebulosas. O autoconhecimento trazido pelo processo psicoterapêutico auxilia nossos pacientes a reconhecerem situações que podem ativar a amígdala, causando reações corporais que, muitas vezes, são identificadas como ansiedade ou depressão.

6) “Cada cérebro trabalha sozinho”.

Essa afirmação também é falsa. O cérebro trabalha secretamente em conjunto com outras pessoas. Dependendo do interlocutor, o cérebro funciona de maneira diferente. Podemos sincronizar a respiração e os batimentos cardíacos, por exemplo. Esse tipo de conexão física ocorre entre bebês e seus cuidadores, entre pacientes e terapeutas, e entre pessoas que praticam yoga juntas. É por isso que quando alguém agitado entra em um ambiente calmo, acaba agitando todo o ambiente, pois sua frequência desequilibrada tende a ser acompanhada pelo cérebro. Uma das descobertas mais importantes e recentes da neurociência é a existência dos neurônios espelhos, que facilitam a aprendizagem por meio da imitação, sendo ativados quando é necessário observar ou reproduzir comportamentos. Essa descoberta reforça a importância do ambiente na formação dos indivíduos e como conviver com uma parentalidade tóxica pode resultar em repetições infinitas de histórias familiares trágicas. Compreender isso é fundamental ao abordarmos as violências vividas por crianças que tiveram suas necessidades emocionais negligenciadas e as possíveis repetições dessas experiências na idade adulta.

Dessa forma, a Terapia do Esquema tangencia a neurociência ao abordar a existência de sistemas que operam de forma paralela, como o emocional e o cognitivo. Enquanto o primeiro sistema é inconsciente e mediado pela amígdala, o segundo é consciente e mediado pelo hipocampo e outras áreas corticais relacionadas. Seguindo essa linha de raciocínio, abordaremos as estruturas mais importantes envolvidas na formação dos esquemas e discutiremos posteriormente como esses esquemas são formados.

 

Fonte: Livro – Neurociência e Terapia do Esquema – Adriana Santiago – Editoria Leader 

 

17/07/2023

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