Confrontação Empática em Terapia do Esquema

A confrontação empática é um subtipo de reparentalização que possibilita a abertura de um diálogo honesto com o paciente. Muitas vezes precisamos pedir “licença” para dizer coisas contundentes que nem sempre ele quer ou está preparado para ouvir. Geralmente eu falo: “Olha, desculpe, pode doer, mas eu vou precisar dizer!”.  Semana passada atendi uma mãe que maltratou muito a filha de nove anos, dizendo que ela era a razão da sua infelicidade e que, se não fosse pela menina ter nascido, a vida seria muito mais fácil. 

Obviamente fiz a intervenção explicando as marcas indeléveis que ela poderia causar na criança e que aquilo que fez precisava, de algum modo, ser reparado.  Na semana seguinte a minha paciente relatou ter ficado muito triste com a minha intervenção, ao que eu respondi: “Mas não era mesmo para você ficar feliz. Esse não é o objetivo. A minha intenção era que você refletisse sobre sua ação, de verdade.” Compreendo – e disse isso para ela – que é uma “esburacada” e que está “esburacando” outro ser humano pequeno, que não tem como reagir a esse “esburacamento”.  Entendo as marcas que trás da sua infância difícil, mas repetir as ações nocivas pelas quais passou não vai resolver nada em sua existência. Vocês podem perceber que é uma confrontação direta, mas ao mesmo tempo, empática.

Esse diálogo honesto e simétrico é necessário. Precisamos fazer revelações daquilo que identificamos como inapropriado no padrão de funcionamento do paciente, compreendendo empaticamente as suas dores e limitações.  Obviamente não significa criticar o paciente dizendo: “Como você pode agir dessa forma?”, mas  explicar que entende que ela não consiga amar direito simplesmente porque também não foi amada de forma adequada. Também é mostrar que está repetindo um padrão da infância com a sua filha perpetuando uma espécie de “maldição familiar”. Dificilmente um psicanalista agiria dessa forma. Eu já fui uma e sei disso. A orientação da psicanálise ortodoxa seria ter reações bovinas: “hum, hum”, e segue o baile. Na Terapia do Esquema focamos na simetria entre terapeuta e paciente e a atitude e mais ou menos essa: “Vem cá minha querida, vamos conversar sobre esse assunto. Você tem sido agida por esquemas que fazem se arrepender posteriormente.”

Trato há muito tempo de uma pessoa que tem esquema de privação emocional.  Ela já reconhece suas vulnerabilidades. Quando tenta busca amor da mãe ou da família, por exemplo, é frustrada, pois ninguém consegue entender as necessidades de afeto que ela porta. Ela sempre pareceu não precisar, se autossacrificou a vida toda por todos da família e sempre foi para o final da fila quando o assunto era atenção. Por toda vida se mostrou uma fortaleza e a família acreditou nisso, negligenciando qualquer tipo de atenção de qualidade.  Um dia me disse que tem sofrido muito com esse reconhecimento das suas necessidades emocionais.  Antes do processo terapêutico ela vivia doente, com vários sintomas físicos, tendo, depois da morte da avó, até sido internada no CTI e os médicos não descobriram a causa das suas dores. A falta de afeto tangenciava o seu corpo de maneira acachapante e ela não conseguia codificar mentalmente isso. Foi no processo terapêutico que conseguiu ligar “lé com crê” e atualmente  entende o que causa a sua profunda dor. Adoece menos, é fato, no entanto, encarar o autoconhecimento não é tarefa das mais fáceis, dói também. Mas, saber a origem da dor já é meio caminho andado para o processo de estar por mais tempo no modo adulto saudável e procurar em si mesma desenvolver o auto-amor.

Esse texto é pautado na transcrição de aulas no grupo de supervisão. Por isso não tem o formato de artigo científico. Atenção para a bibliografia ao final do texto.

A gente ajuda o paciente a trazer a dor para o lugar certo. É nessa medida que substituímos o sofrimento que assola o sujeito colocando um torniquete na dor, delimitando-a para poder tratar. Quando chegou no consultório essa paciente dizia estar deprimida agora ela já sabe que fica triste porque o amor que teve não foi o suficiente. E isso faz toda a diferença, pois a depressão é uma espécie de infecção generalizada que parece não ter início nem fim. Atualmente ela reconhece que fica muito triste quando a pessoa com quem está saindo não lhe dá atenção devida ou quando vai buscar afeto da mãe e essa em vez de lhe dar o solicitado, pede dinheiro. Esse reconhecimento de onde ela claudica é fundamental, porque consegue reconhecer que nas outras áreas da sua vida está tudo bem.

É fato que crescer dói e ser feliz dá trabalho. Fácil mesmo é permanecer triste. É só deitar na cama e ruminar os acontecimentos dolorosos que a depressão se instala.  Se a intenção é evoluir, procurar o seu lugar, sair da zona de conforto e entrar no lugar do autoconhecimento que é eterno, porque somos cada dia outras pessoas. Como dizia Heráclito, ninguém atravessa um rio duas vezes, porque quando voltamos já temos a primeira experiência de ter atravessado o rio que também já não é o mesmo. Fazer terapia não é mole não pois a gente se depara com questões sobre nós mesmos que não conhecíamos e a  confrontação empática faz a gente entender que somos responsáveis por nossas atitudes, por quem a gente é. Deus e o Universo ficam fora disso. É o sujeito que passa a escolher e deixa de ser escolhido. Isso dói também porque muitas vezes o sujeito descobre que ele é o seu pior inimigo.

Com a confrontação empática o profissional pode discordar do paciente, mas sem esquecer de entender as dores do seu passado, compreendendo-o como um sujeito histórico que foi construindo  o seu entorno de maneira enviesada por conta das questões parentais e de seu temperamento, que é inato.  Importante aqui ressaltar que compreender o paciente, ser empático com ele, não significa ser condescendente com seus esquemas. É nessa medida que o terapeuta se torna parceiro do seu paciente, mas não cúmplice na sua sintomatologia. Sempre digo isso: “sou sua parceira, mas não sua comparsa.”

Quando se trabalha com Terapia do Esquema, a confrontação empática está presente em todo momento. Semana passada uma paciente disse para mim: “Minha filha nunca está satisfeita com nada! A gente tem uma casa na praia e ela queria um sítio, a gente tem isso e ela queria aquilo.” Eu respondi: “Como ela modela bem, né Maria?”. Ela perguntou assustada: “Como assim?”. Eu consegui mostrar com exemplos que ela também nunca está satisfeita com nada e, apesar de ter uma vida organizada, estar trabalhando atualmente com o que ama, ela sempre acha que a grama do vizinho é a mais gostosa.  Ela disse que nunca havia pensado sobre isso, mas que reconhecia como uma verdade. Expliquei que as palavras conduzem, mas os exemplos arrastam, que ela dizia uma coisa, mas fazia outra e que a filha percebia porque crianças são como grandes antenas e percebem e modelam com seus pais. É o mesmo que dizer para criança comer cenoura com cara de nojo. Ela vai perceber que você não gosta e por isso não deve ser bom. O que a gente expressa tem muito mais efeito do que as palavras que a gente diz. Expliquei também que a insatisfação pode ser positiva porque o ser humano que tem um grande buraco no meio do peito (não o buraco da ferida narcísica), mas o buraco do desejo, que faz o sujeito caminhar, ir adiante e conquistar objetivos. E a gente só deseja o que a gente não tem. Mas, ficar só olhando a grama do vizinho e achar que ele é a mais gostosa é angustiante. Isso é confrontação empática. È fundamental entender, com todo amor do mundo, que a escolha é do paciente e se ele não quiser mudar, tudo bem.  

É preciso mostrar o que está disfuncional sem parecer crítica. Não é estar em uma postura moralista mostrando para o paciente o é certo e o que é errado, até porque não ocupamos o lugar do juiz. Não estamos ali no consultório para julgar ninguém. Por exemplo, eu tinha uma aluna que ficava na sessão tentando entender se a paciente dela falava ou não a verdade. Não somos detetives. A questão não é essa. Ao perceber que o paciente está mentindo, é preciso entender o lugar da mentira naquele contexto clínico. Esse é o aspecto da simetria que ressalto tanto. Como terapeutas não estamos acima de ninguém dizendo: “Olha aqui, te peguei!”, não é isso. É dizer: “Olha aqui, estamos juntos para entender o seu modo de atuação no mundo e construir modos melhores que não tragam dor e sofrimento para você e para quem convive contigo.

A modulação do tom de voz, as expressões corporais e faciais também são importantes para fazer o paciente entender que o paciente está sendo aceito, não estamos o criticando. O que precisamos confrontar são as atitudes que perpetuam os esquemas, suas repetições, seus “demônios”, o que está fazendo agir, mas não o paciente. Podemos confrontar também um estilo de enfrentamento ou um modo. Por exemplo, o paciente não quer aceitar uma promoção no trabalho e diz: “Não vou não, ao quero essa responsabilidade para mim, não!”. Sabendo que o sujeito tem esquema de fracasso e seu estilo de enfrentamento é a evitação, podemos deixar claro isso para ele dizendo: “Seu bicho está querendo fugir mais uma vez! Você concorda comigo ou não?”. Pode ser que o paciente não concorde, e a gente diz ok e passa adiante, coloca a viola no saco e dá o tempo que ele precisa, porque a nossa verdade não é a mais importante. Não precisamos insistir porque naquele momento, ele ainda pode não estar maduro para essa compreensão.  Pode ser que ele volte na semana seguinte dizendo que aquilo que aconteceu na sessão fez todo sentido para ele depois, só depois.

Para resumir e concluir, confrontar empaticamente significa transmitir empatia pelo medo do paciente deixar de ser como é e ajudá-lo a entender os seus nós, buscando novos caminhos pautados na aliança terapêutica, que é o ponto essencial de todo trabalho clínico.

Bibliografia:

Young, J.E., Klosko, J.S. & Weishaar, M. E. (2008). Terapia do esquema. Guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed.

Wainer, Ricardo. Terapia Cognitiva focada em esquemas. (2016). Porto Alegre. Artmed.

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