Alguns transtornos podem ser facilmente confundidos devido às características muito semelhantes entre eles, um exemplo disso é o transtorno bipolar e o borderline. A instabilidade emocional e as oscilações de humor estão presentes em ambas as condições. A bipolaridade é um transtorno afetivo de humor, que varia entre estados de mania ou hipomania e depressão, com períodos que oscilam entre os polos de humor alterado e normal. Isso acontece em intervalos de semanas a meses. Já o borderline é um transtorno de personalidade caracterizado pelas oscilações de humor, impulsividade, problemas nos relacionamentos interpessoais e intrapessoais, falta de controle da raiva de maneira constante, entre outros sintomas.

O transtorno de humor bipolar tem uma base neurobiológica, com expressão psicológica, no qual a presença de estressores psicossociais agem como desencadeadores ou mantenedores dos episódios. Tais episódios são divididos por fases de humor elevado, irritabilidade, diminuição da necessidade de sono, noção de grandiosidade, fala rápida ou em maior quantidade, pensamento acelerado, aumento da atividade motora, desejo sexual majorado, desinibição, pouca autocrítica e distração. Embora os instrumentos diagnósticos separem hipomania, mania e estados mistos, muitas vezes é difícil diferenciá-los de maneira confiável, os sintomas da hipomania são mais brandos que os da mania.  Os sinais e sintomas dos episódios depressivos são o humor diminuído, anedonia, irritabilidade, insônia ou sono elevado, mudança de apetite/peso, fadiga, desesperança, pensamentos suicidas, concentração prejudicada que podem variar em diferentes graus.

O transtorno bipolar possui fatores biológicos, com importante fator genético, ainda que haja muita dificuldade na identificação desses genes. Segundo Michelon e Vallada (2005) diferentes mecanismos genéticos podem estar envolvidos na etiopatogenia do THB, tais como alterações cromossômicas, heterogeneidade de alelos, heterogeneidade de genes (loci), epistasis, mutação dinâmica levando ao fenômeno de antecipação, imprinting e mutação de genes mitocondriais. O histórico familiar positivo é um dos fatores mais significativos para o desenvolvimento do transtorno, o que mostra o quanto essa interação genética e ambiental é necessária para essa expressão comportamental.

Alguns fatores de risco são associação positiva para condição socioeconômica desfavorável, como desemprego ou baixa renda, e estado civil solteiro. Mulheres também apresentam risco aumentado nos três primeiros meses do pós-parto de modo consistente.

Além disso, filhos de pessoas com o transtorno bipolar não tratadas, podem ter maior predisposição a desenvolver a doença precocemente pois, por crescerem em um ambiente conflituoso, acabam desenvolvendo uma característica temperamental que leva ao surgimento de atritos interpessoais, estimulação emocional e perda de sono, originando, assim, os estressores responsáveis pela desordem bipolar (YAGER; GITLIN, 1999, p. 723).

No transtorno bipolar tipo I, o paciente alterna entre estados de mania e de diferentes graus depressivos, já o transtorno bipolar tipo II, caracteriza-se por episódios recorrentes de depressão maior e hipomania. O transtorno ciclotímico, que tem como fatores de risco ser do sexo feminino, abuso/dependência de substâncias, hipotireoidismo subclínico e uso excessivo de antidepressivos, se caracteriza por oscilações entre hipomania e estados depressivos menos graves, de ciclagem rápida, ou seja, no mínimo quatro episódios diferentes de mania, hipomania, depressão ou misto durante um ano.

Os sinais e sintomas característicos do transtorno borderline são: Impulsividade, relações instáveis, percepção instável da auto-imagem, instabilidade afetiva, comportamento autolesivo e suicida recorrente, sentimento de vazio, raiva ou hostilidade intensas, sintomas dissociativos e medo do abandono. Fato bastante marcante para o diagnóstico diferencial é que as mudanças súbitas do humor a partir de fatores externos podem ser observadas em um período de horas ou minutos.

Pessoas com esse transtorno de personalidade normalmente foram submetidas a abusos na infância, abandonadas por um cuidador e por isso desenvolvem um padrão de pensamentos e comportamentos que tem como tema a questão do abandono. Devido a instabilidade emocional muito intensa, costumam ter problemas nas relações de amizade, família e relacionamentos amorosos, o que pode reafirmar o abandono, vivendo períodos de solidão que geram muito sofrimento. Muitas vezes adotam comportamentos de risco, o que pode levar ao suicídio.

Pacientes que têm histórico familiar de pessoas com borderline apresentam mais suscetibilidade a desenvolver o mesmo, porque a dinâmica familiar conturbada, principalmente com um dos cuidadores, pode desencadear a construção de padrões de pensamentos, emoções e sentimentos similares aos da parentalidade. A necessidade de vínculo seguro não atendida também é fator importante no desenvolvimento de esquemas que poderão compor esse transtorno de personalidade. Crianças que passaram por traumas na infância, como abusos físicos, sexuais, emocionais ou que tiveram negligenciadas as suas necessidades de cuidados e de afetos, têm propensão maior a desenvolver a síndrome.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

 

A velocidade da mudança de humor é um dos fatores mais marcantes no diagnóstico diferencial entre esses transtornos, enquanto essas variações são bem marcadas no bipolar, no borderline elas são mais efêmeras e repentinas. Ou seja, no borderline, podem variar de um estado de extrema euforia para uma profunda melancolia rapidamente. No bipolar esses polos são períodos longos e bem marcados. A alteração grande no padrão de sono, apetite e falta de atenção está mais presente em pessoas com bipolaridade.

O comportamento de risco, presente nos dois transtornos, no borderline pode acontecer a qualquer momento, já no transtorno bipolar ele surge apenas no polo maníaco da doença. O medo do abandono é latente em pacientes com transtorno de personalidade borderline, as motivações das crises normalmente vêm de fatores externos mais delimitados combinado com fatores psicológicos. Já no bipolar a causa mais impactante é o desequilíbrio dos neurotransmissores, também combinados com fatores externos e psicológicos.

Há em ambos uma alteração na percepção de si. Na personalidade borderline, normalmente a pessoa tem uma percepção de si mais negativa, inferiorizada, com baixa autoestima e vive um sofrimento intenso que gira em torno do abandono. No paciente com transtorno bipolar, a alteração da percepção de si no polo de mania tem a ver com a grandiosidade: a pessoa se sente capaz de fazer tudo e, em casos mais graves, pode até mesmo romper com a realidade, se colocando em situações difíceis, por não conseguir mensurar corretamente as consequências de seus atos.

A agressividade está presente nos dois transtornos. No bipolar, em períodos de episódios maníacos e no borderline sempre de forma intensa ao longo da vida. Assim como a agressividade, a impulsividade no border reativa algo que vem de fora, como, por exemplo a reação a uma briga. A partir deste estímulo externo, a pessoa cria um juízo de valor sobre o acontecimento reeditando emoções antigas. É comum haver arrependimentos pelos atos impulsivos. No transtorno bipolar, na fase de mania, o sujeito não costuma se arrepender, porque a noção de grandiosidade amortece seu julgamento sobre as consequências de seus episódios compulsivos ou impulsivos.

A automutilação e comportamentos destrutivos são frequentes em pessoas com transtorno borderline para um alívio imediato de um sofrimento intenso. A pessoa com transtorno bipolar, pode usar da automutilação também como resposta de enfretamento para alívio de um sofrimento. Mas, na maioria das vezes, funciona como resposta de uma construção delirante.

O diagnóstico bem feito é fundamento para montarmos estratégias adequadas de tratamento. No transtorno bipolar, além da psicoterapia, é adequado que se utilize o tratamento medicamentoso, com acompanhamento psiquiátrico. Para pacientes com transtorno de personalidade borderline, a terapia do esquema é sempre a mais adequada. Eventualmente é necessário que as comorbidades como quadros depressivos e ansiosos sejam tratados por remédios específicos.  

Pessoas com transtorno bipolar também podem ter o transtorno de personalidade borderline. Pois são transtornos que podem ser agregados como comorbidades. Caso essas características sejam notadas em um paciente que ainda não foi acompanhado por um médico, o psicólogo o encaminhará a um psiquiatra para que ele seja avaliado o estado impulsivo, reativo e instável e veja se há necessidade de medicação. A psicoterapia e a psicoeducação são fundamentais em ambos os transtornos para que o sujeito tenha uma melhor qualidade de vida.

 

REFERÊNCIAS

DSM-5. 2013. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: [American Psychiatric Association; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli … [et al.]. – 5. ed. – Dados eletrônicos. Porto Alegre: Artmed, 2013. SOUZA, Suellen S. C.; Corrêa, Andriza S.

DA TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL À TERAPIA DE ESQUEMAS PARA O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da Saúde, Santa Maria, v. 20, n. 2, p. 439-446, 2019 Finkler, D. C., Schäfer, J. L., & Wesner, A. C. (2017).

Transtorno de personalidade borderline: Estudos brasileiros e considerações sobre a DBT. Revista Brasileira De Terapia Comportamental E Cognitiva, 19(3), 274–292. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v19i3.1068 JESS G., Fiedorowicz; DONALD W., Black.

BORDERLINE, BORDERLINE, BIPOLAR, OR BOTH?: Frame your diagnosis on the patient history. Current Psychiatry, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 21-32, January 2010. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Robert-Birnbaum/publication/8343922_Borderline_Bipolar_or_Both/links/00b4953345756b5d40000000/Borderline-Bipolar-or-Both. pdf. Acesso em: 13 dez. 2022. MICHELON, Leandro; VALLADA, Homero Vallada.

Fatores genéticos e ambientais na manifestação do transtorno bipolar. Revista Psiquiatria Clínica, São Paulo, jan. 2005. Seção 32. p. 21-27. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rpc/v32s1/24408.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2012